quinta-feira, 12 de abril de 2012

Um panorâma do mercado imobiliário e suas estratégias em Vila Velha

Hoje inauguramos um novo quadro no blog: Entrevistas. A partir do diálogo com pesquisadores, técnicos, militantes etc, buscamos reunir elementos para enterdemos as questões que envolvem a dinâmica da cidade, em especial na Região Metropolitana da Grande Vitória.  Nesse sentido, conversamos com o mestrando Jaime Bernardo Neto pela PPGG-UFES, licenciado e bacharel em geografia pela mesma universidade. Atualmente trabalha no INCRA/ES. O pesquisador, embora privilegia em suas análises a questão agrária, tem se "aventurado" no estudo do espaço urbano, como ele mesmo salientou. O que nos chamou a atenção foi o seu interessante artigo intitulado "Mercado Imobiliário e Produção do Espaço Urbano: a expansão dos empreendimentos imobiliários na orla de Vila Velha/ES a partir dos anos 80*". Publicado recentemente na edição número 10 Geografares (UFES). 
Enfim, vamos a entrevista...

1. Cidade como Direito: Em qual período podemos afirmar que o mercado imobiliário se consolida em Vila Velha como agente produtor/modelador do espaço urbano? Qual será o impacto desse processo para a paisagem urbana do município?
Jaime Bernardo Neto: As evidências indicam que as condições para o desenvolvimento do mercado imobiliário em Vila Velha começam a se consolidar no fim da década de 1970. Isso de certa forma criou um contraste interior/litoral no município, com construções de alto grau de verticalização nas praias (em contraste com a horizontalidade do restante do município) e, sobretudo, marcou uma mudança no direcionamento das políticas municipais, que sob influência do capital imobiliário, passaram a privilegiar os investimentos em infra-estrutura na orla do município para potencializar as possibilidades de ganhos do capital imobiliário.

2. CCD: De que maneira a consolidação do mercado imobiliário contribui com o processo de segregação espacial em Vila Velha?
JBN: Ele o acentuou exponencialmente e criou novas áreas de residência das pessoas com maior poder econômico. Numa época de recessão econômica, como o foram os anos 80 e 90 no Brasil, somente uma parcela diminuta da população tinha recursos para se tornar consumidor dos produtos do mercado imobiliário. Formou-se gradativamente uma área estreita - inicialmente ao norte da orla, na Praia da Costa, mas que posteriormente expande-se cada vez mais ao sul – na beira-mar com predomínio de construções com alto grau de verticalização, produzidas para venda, que contrastava com praticamente toda a porção continental do território municipal, onde predominavam e ainda predominam construções pouco ou nada verticalizadas, geralmente feitas por encomenda ou mesmo pelo próprio morador, e não raro com precárias condições de habitação. Não que antes disso não existisse segregação. Ela sem dúvida já existia – as áreas privilegiadas antes da virada entre as década de 1970/1980 eram os atuais bairros da Prainha e do Centro, que eram as áreas com melhor infra-estrutura urbana até então - mas era bem menos intensa e tinha outro padrão (praticamente não havia construção para o mercado nem grandes verticalizações das moradias).

 3. CCD: Em seu artigo publicado recentemente na Revista Geografares, você aponta alguns fatores que foram decisivos para o desenvolvimento do mercado imobiliário em Vila Velha, como a construção da 3ª Ponte e a atuação do poder público municipal. Fale um pouco desses fatores.
Orla Verticalizada de Vila Velha
JBN: As possibilidades para o mercado imobiliário em Vila Velha, no meu ver (que na verdade, nem é tão meu, mas do professor Carlos Teixeira de Campos Júnior, que abordou esse tema em uma de suas obras e me deu dicas de por onde começar a discussão sobre esse tema) são fruto da sinergia de uma série de fatores. Primeiramente, houve as crescentes barreiras aos ganhos do setor imobiliário em Vitória (que era onde até então o capital imobiliário concentrava seus investimentos na Grande Vitória), onde o espaço urbano era cada vez mais caro e as leis e normas municipais progressivamente ampliaram as restrições à verticalização das construções. Nesse mesmo contexto, ocorre a emergência de uma nova centralidade na Capital, em uma área mais à sudeste da ilha, nos bairros da Praia do Canto e arredores, que distava da orla de Vila Velha apenas por um ou dois quilômetros de mar. Com a construção da 3ª Ponte (que não tenho elementos concretos para afirmar que já foi uma manifestação dos interesses explícitos do setor imobiliário, mas acredito que assim tenha sido), passou-se a ter então uma área que já há algumas décadas era um ponto de lazer muito frequentado e com um atrativo paisagístico notório - a  Praia da Costa – distando apenas uns poucos minutos de automóvel (pela nova ponte) dessa nova centralidade. Diante das restrições em Vitória, então, aparentemente o capital imobiliário viu nessa porção de Vila Velha uma nova área com grande potencial para a produção de residências para a venda, e cujo poder político municipal se mostrou bem “flexível” aos interesses desse setor, progressivamente eliminando as restrições às construções à beira mar que existiam até então. Antes dessas mudanças, as praias de Vila Velha tinham residências com mais caráter de veraneio, onde as pessoas passavam férias, tendo em vista sua distância ao antigo centro da capital: são cerca de 10 a 12 km e cujo trajeto até então demandava tempo considerável - até a década de 1950 em função da não integração da orla pelos bondes (que só iam até a praça Getúlio Vargas, no centro de Vila Velha) e depois, já na era do automóvel, pelos longos engarrafamentos nas estreitas pontes que ligam os dois municípios (a ponte Florentino Ávidos e, posteriormente, a 2ª ponte). Pra se ter uma ideia, eu tinha uma professora de inglês que morou na orla de Vila Velha na década de 1960 e sempre me contava que, para estudar na UFES, ela tinha que sair de lá por volta das 5:30 da manhã pra conseguir chegar a tempo pra aula, que se iniciava às 7h. O Jair dos Santos, cujo livro sobre a história de Vila velha foi uma das minhas principais fontes de dados para pesquisa, menciona nessa obra que entre as décadas de 1940 e 1950 até houve quem se arriscasse em alguns pequenos empreendimentos na orla do município, principalmente a venda de terrenos, mas muito provavelmente pela questão das distâncias mencionada acima, não obtiveram êxito.

4. CCD: Quais são as tendências atuais de expansão da produção imobiliária no município canela verde?
JBN: Historicamente, a localização à beira-mar tem sido o fator capital para sucesso dos empreendimentos do mercado imobiliário em Vila Velha. As praias é que tem concedido a unicidade que justifica os preços de monopólio visados pelo capital imobiliário. Por isso, a expansão desses empreendimentos tem sido sempre em direção ao sul da Orla, em busca de áreas ainda não ocupadas por edifícios, tanto que na última década a Praia de Coqueiral de Itaparica é que foi a “bola da vez”, tendo em vista a crescente dificuldade de obtenção de novas áreas para construção nas Praias da Costa e de Itapoã. 

5. CCD: Em sua opinião, quais são os impactos urbanos e sociais gerados por esse padrão de cidade que está sendo erguido pelas incorporadoras , em especial no caso de Vila Velha? 
JBN: Bem, de maneira geral tende-se a aumentar o custo de vida das pessoas mais pobres, que residem cada vez mais distantes dessas áreas monopolizadas pelo capital imobiliário, em cujas proximidades também tende a haver concentração do comércio e dos serviços e, consequentemente, da geração de postos de trabalho. A pressão do setor imobiliário também tem canalizado uma grande parcela dos recursos públicos para melhoramentos urbanos nas áreas de seu interesse (de forma a potencializar as possibilidades de êxito seus empreendimentos e seus ganhos), recursos que poderiam ser utilizadas para amenizar as desigualdades sociais, com melhorias nos serviços públicos em geral e na própria infraestrutura dos bairros onde as parcelas mais pobres da população reside (o que seria altamente contrário aos interesses do setor imobiliário, já que em geral quanto maior for o contraste entre as áreas “privilegiadas” e as áreas “periféricas”, mais fácil é a obtenção dos preços de monopólio na venda de imóveis nas primeiras).

6.CCD: Você acompanhou as recentes polêmicas envolvendo o PDM de Vila Velha? Como as necessidades do mercado imobiliário se manifestaram nessa questão?
JBN: Bem, me parece que o que está ocorrendo é mais uma tentativa (aparentemente bem sucedida) de superação de obstáculos, por parte do capital imobiliário, à expansão de seus ganhos. Pela importância das praias no êxito desses empreendimentos em Vila Velha, tem havido constantes pressões das imobiliárias, desde o fim dos anos 70, para (1) ampliação do limite de pavimentos das construções à beira mar, que salta de 6 pavimentos em 1975 para até 15 da última década (excluindo-se ainda as áreas de uso comum e de locação de equipamentos do edifício, o que têm gerado construções com até de 18 a 20 pavimentos), e (2) também uma constante tendência à expansão dessas construções rumo ao sul da orla do município. Basta lembrar que até umas três ou quatro décadas atrás, Coqueiral de Itaparica era uma área pouquíssima urbanizada, quase rural, eu diria (com base nos relatos de uma tia minha) e hoje praticamente já não tem mais espaço para novos edifícios. Bem, mais ao sul da praia de Coqueiral, existe (ou costumava existir) uma descontinuidade urbana entre essa praia e a Barra do Jucu e Ponta da Fruta, respectivamente as duas próximas praias ao sul, que também apresentavam até bem recentemente esse caráter de local de residências de veraneio e parca urbanização. Por essa razão, esse trecho do litoral ao sul da praia de Coqueiral de Itaparica preservou até a atualidade significativas áreas de vegetação nativa – a restinga, algumas das quais acabaram por se tornar áreas de preservação ambiental, como é o caso da Reserva de Jacarenema, na Barra do Jucu, que pelas notícias que tenho lido, é o ponto mais polêmico do novo PDM, que reduz significativamente a área dessa reserva, a qual claramente é (sob prisma do capital) um limitador ao aproveitamento da orla para empreendimentos imobiliários. Bem, como a Barra do Jucu é a próxima praia depois de Coqueiral, esses “visionários” empreendedores do setor imobiliário já devem estar pensando num futuro próximo (talvez mais próximo do que eu imagine, uma vez que já tenho notícias de edifícios sendo erguidos na chamada “Praia da Sereia”, na Barra do Jucu) ao pressionar por essas mudanças visando diminuição da área do Parque. Infelizmente, o poder político municipal em Vila Velha têm se mostrado, historicamente, extremamente fiel aos interesses das imobiliárias, e acredito que, para nossa tristeza, todas essas mudanças serão “enfiadas goela a baixo” da população, apesar da oposição expressada por muitos setores da sociedade civil.



2 comentários:

  1. Muito boa a entrevista com o Jaime! Abraço Flávio

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  2. Muito boa a entrevista esse cara realmente entende do ramo imobiliário da grande Vitória.

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