quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Entrevista com Rodrigo Huebra: graffiti, pichação, geografia e cidade

Hoje apresentaremos a segunda entrevista realizada pela equipe do Blog Cidade como Direito, do GT de Assuntos Urbanos da AGB-Vitória. O convidado de hoje é Rodrigo Huebra. Morador do balneário de Bicanga, na Serra, é licenciado em Geografia e, atualmente, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFES. Para além da academia, Rodrigo é graffiteiro. E esta será a tônica principal de nossa conversa. Embora as vezes passe despercebido, os muros e as paredes das cidades revelam vozes, gritos, enfim, manifestações de um espaço urbano complexo e conflituoso. É com o objetivo de aprendermos um pouco mais sobre esse tema que convidamos Rodrigo, que além de grafiteiro, é geógrafo, e nos mostra relações entre esses saberes/práticas. 

"Tenho tentado retratar de forma artística um pouco do universo desses povos que historicamente sofrem com os descasos por parte do Estado e consequentemente o preconceito da sociedade como um todo, que de certa forma acaba por negar o seu passado."

1- Cidade Como Direito – Para começar a conversa, quando você começou praticar o graffiti? Onde você realizou os seus primeiros trabalhos?
Rodrigo Huebra – Meu afinco pelo desenho vem desde criança quando meu pai chegava da rua ou do trabalho e trazia revistas com figuras em preto e branco para serem coloridas. Sempre gostei de desenhar e pintar e tinha facilidade em olhar coisas ou outros desenhos e fazer uma cópia bem parecida. Meus primeiros contatos com o graffiti vieram através da internet. O que mais me chamou a atenção no graffiti foi à atitude e o fato de ser feito na rua em um local que não foi feito para receber um desenho artístico. Logo depois comecei a observa-los nas ruas da Grande Vitória e fiquei encantado com aqueles desenhos coloridos feitos na parede e com latas de spray. No início do ano de 2008 entrei em um curso de graffiti no CRJ (Centro de Referência da Juventude) em Vitória com aulas ministradas pelo grafiteiro Fagundes. Após aprender algumas técnicas comecei a ir para as ruas me arriscar. Na época morava em Vila Velha, logo, meus primeiros trabalhos foram feitos no referido município. Ainda não tinha um estilo definido, mas a vontade de ir para a rua era grande o bastante para que isso não se tornasse um empecilho. Atualmente a maioria dos meus trabalhos estão localizados na Serra, município onde resido. De alguns meses pra cá venho direcionando meus trabalhos para a cultura indígena. Tenho tentado retratar de forma artística um pouco do universo desses povos que historicamente sofrem com os descasos por parte do Estado e consequentemente o preconceito da sociedade como um todo, que de certa forma acaba por negar o seu passado. Essa vem sendo a tônica do meu estilo artístico dentro do graffiti. 

2- CCD – Para a maioria das pessoas, há uma certa confusão para se definir o graffiti e a pichação. Você pode definir melhor esses termos? São práticas antagônicas?
RH- Na minha visão não há como pensar o graffiti e a pichação de forma antagônica como tenta demonstrar o discurso oficial. Há uma série de questões que precisam ser debatidas antes de dizer que um é arte e outro é vandalismo para não incorrermos no risco de fazer uma análise superficial e pautada em juízo de valores. Em primeiro lugar há que se questionar o que é arte e o que não é arte? A linha que separa essas duas concepções é muito tênue e por isso mesmo torna a delimitação do que é arte muito “escorregadia” eu diria. Em segundo lugar a raiz do graffiti é a pichação, ou seja, o graffiti veio da pichação. O que os diferencia são questões meramente estéticas. Essa diferença estética também leva as pessoas a fazerem julgamentos equivocados sobre a questão e assim acabam legitimando certos discursos sobre a pichação. Apesar das diferenças apresentam uma raiz em comum e essencial: a relação com a rua, tida como espaço substancialmente público e de diálogo, resignificando-a para além de sua mera funcionalidade, o famoso “direito de ir e vir”. Essa relação entre as diferentes formas de arte de rua é mais complexa do que tentam fazer parecer os debates oficiais. A discussão Graffiti x Pichação vai além da diferença entre ambos já que esse debate pautado nas diferenças entre esses tipos de manifestação tem um caráter muito mais normativo do que sociológico/geográfico. Pensado sobre a ótica da diferença o debate cria uma falsa dicotomia impregnada de moralismo, onde graffiti é arte e pichação é vandalismo, é sujeira. Além disso, a estética do graffiti parece incomodar menos as pessoas e por isso é mais aceito pela sociedade. A pichação sempre é colocada como algo que “suja” ou “emporcalha” a cidade como costumam dizer os jornais e as autoridades ao abordarem o tema. Porém, há que se pontuar, a sujeira não incomoda da mesma forma em todos os locais da cidade. Se assim fosse, não seria admitido que pessoas vivessem em condições sociais precárias, em barracos de zinco ou sobre esgotos que fluem à ausência de saneamento básico. Mas a “sujeira” incomoda aonde?  Nas vitrines, no espaço em que as aparências devem ser mantidas, o diálogo suprimido e as vozes dissonantes não podem ser amplificadas?
Segundo o artigo 65 da lei federal nº 9605/98, pichar é considerado crime ambiental podendo acarretar detenção, multa ou prestação de serviços comunitários. Como pode uma intervenção urbana ser considerada crime ambiental num país que executa grandes obras em áreas de proteção ambiental, aprova um Código Florestal plausível de questionamento e que sedia um evento de nível global onde os governantes não conseguem avançar na discussão de políticas de proteção a natureza? Por outro lado, a lei diz que não é crime “a prática do graffiti realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística”, desde que haja consentimento do proprietário. Ora, então graffiti feito sem o consentimento do proprietário deixa de ser graffiti?
Não podemos esquecer que muitas vezes o espaço negado ao pixador e ao grafiteiro é oferecido, inquestionavelmente, aos anúncios publicitários e aos outdoors. Enquanto a pixação e o graffiti subvertem essa lógica determinada entre espaço e propriedade na rua, os anúncios são convidados a impor sua presença na paisagem urbana à medida que fomentam a ciranda comercial, em função da qual devem girar nossas vidas, nossos estudos, nosso trabalho e todas as políticas que nos circundam.
Enquanto essa for a diretriz, manifestações artísticas e expressivas continuarão tendo mais espaço como questão de polícia do que como objeto de políticas públicas. Afinal, mais fácil do que reconhecer potencialidades é apontar delinquentes e encerrar de vez a discussão antes que ela fique profunda demais para ser debatida.

3- CCD - Eduardo Galeano usou a expressão "O que dizem as paredes" para citar algumas frases escritas nas paredes de algumas cidades da América Latina. O que você destaca nas suas leituras das “paredes” e dos “muros” da Grande Vitória?
RH- Tenho observado que além de graffiti e pichações os muros da Grande Vitória também estão sendo utilizados para manifestações referentes a algumas questões sociais e políticas, ainda que, de forma bem tímida.  O movimento do Passe Livre, que luta por melhorias na mobilidade urbana, parece ser o que mais se utiliza dos muros da cidade para passar alguma mensagem para a população. Palavras de ordem como “Pule” (referência a pule a roleta) e Tarifazero.org (blog do movimento) vem se tornando comum na paisagem urbana da Grande Vitória. Percebo também intervenções feitas em prol do uso das bicicletas como meio de transporte na cidade  e intervenções para questionar nossa dependência em relação ao Petróleo. Em uma recente viajem que fiz pela América do Sul percebi que em países como a Bolívia o muro é utilizado de forma mais intensa para manifestações de ordem social e política. No Brasil essa prática ainda é pouco utilizada. Aliás, uma crítica que costumo fazer é que a maioria dos movimentos de luta social e política utilizam pouco a linguagem artística para fazer a crítica dos problemas que afetam a sociedade.         "Enquanto a pixação e o graffiti subvertem essa lógica determinada entre espaço e propriedade na rua, os anúncios são convidados a impor sua presença na paisagem urbana à medida que fomentam a ciranda comercial, em função da qual devem girar nossas vidas, nossos estudos, nosso trabalho e todas as políticas que nos circundam."

4- CCD - No bairro de Jardim Camburi, em Vitória, possivelmente no ano passado (2011), um grupo de artistas grafitou os muros de uma escola municipal do bairro, praticamente rodeando toda a escola. Durante a confecção dos desenhos muitas pessoas paravam para admirar. Os muros da escola chamam a atenção e trouxeram de certa maneira uma nova vida a escola, tornando-a mais “atrativa” para os estudantes e para quem passa. Como você vê isso, é assim mesmo? De que maneira o graffiti pode ajudar nesta resignificação dos lugares da cidade?
RH- Bom, eu não sei dizer se aquela intervenção no muro teve relação com alguma atividade interna da escola até mesmo porque eu não participei do evento. Porém, eu entendo que para a escola se tornar mais atrativa para os estudantes é preciso que a escola internalize o graffiti em suas atividades cotidianas devido ao potencial pedagógico desse tipo de arte. Ora, porque não pintar as paredes internas da escola? Por que não fazer que o estudante seja um dos protagonistas na produção do graffiti feito na sua própria escola, local em que ele está cotidianamente? Acho que levar o graffiti para dentro da escola, não apenas no sentido físico, mas também pedagógico, seria o primeiro passo para tornar a escola mais atrativa para o aluno. Em relação a última pergunta eu acredito sim que o graffiti tem a capacidade de resignificar  certos lugares da cidade. Eu entendo que o graffiti contribui, e muito, para romper o olhar “viciado” que as pessoas tem de certos pontos da cidade. Lugares deteriorados e abandonados que sofrem uma intervenção artística como o graffiti passa a chamar a atenção das pessoas de outra forma ao quebrar a monotomia das paisagens urbanas com o seu universo de cores e formas e ás vezes interagindo com a própria arquitetura urbana.
5- CCD – O grafite é considerado um dos elementos do Hip Hop, uma cultura contra-hegemônica, com raiz nas periferias. De que maneira, na sua opinião, o graffiti contribui para a visibilidade de uma outra cidade, isto é, de aspectos que se encontram imersos nesse cotidiano urbano cada vez mais alienado.
RH- Primeiramente é preciso dizer que nos dias de hoje o graffiti “extrapolou” o universo do Hip-Hop. Apesar de ter surgido dentro do movimento Hip-Hop o graffiti hoje consegue ser pensado e visto para além das fronteiras desse movimento. No início o graffiti trazia muito do universo do Hip-Hop nos desenhos, além das letras, que foram marcantes nos primórdios do graffiti, principalmente na cidade de Nova York que foi o lócus primordial de surgimento desse tipo de manifestação em meados da década de 70. Quando o graffiti é alçado a categoria de arte urbana ele passa a explorar de forma mais intensa outros universos e também começa a atrair pessoas que não são do universo do Hip-Hop ou do skate por exemplo. Eu mesmo sou grafiteiro e não vim do movimento Hip-Hop. Apesar de gostar de ouvir rap meu universo de origem, digamos assim, é outro. A leitura que faço disso é que antes o graffiti era mais utilizado para dar visibilidade ao universo de um movimento que outrora era fortemente marginalizado, como é o caso do Hip-Hop. Hoje a arte do graffiti ao explorar outros universos amplia o leque de temas que podem ser abordados pelos grafiteiros e possibilita, assim, visualizar outra cidade a partir de um horizonte mais amplo de relações.
6- No último Encontro Nacional de Geógrafos (ENG), realizado em Belo Horizonte no mês de Julho, você apresentou uma oficina relacionando a estética do graffiti e o ensino de geografia. Nos fale sobre essa relação. De que maneira o graffiti pode ser utilizado como uma ferramenta na sala de aula de geografia?
RH- No decorrer de minha trajetória enquanto geógrafo e grafiteiro comecei a perceber que esses dois universos podem dialogar com muito potencial. Desde 2010 venho tentando fazer isso. Apesar de não ser algo inédito dentro da Geografia, é algo ainda muito incipiente eu diria. Incipiente não só dentro da Geografia, mas do ambiente escolar de um modo geral.
A Geografia entende o espaço geográfico (seu objeto de estudo) ao mesmo tempo como um produto e uma condição para a reprodução de uma sociedade. E o graffiti é entendido, na visão da Geografia, enquanto prática e discurso que se apropria do espaço numa relação que muitas vezes é conflituosa com a ordem hegemônica e que não se manifesta apenas por condições estruturais, mas também de todo um imaginário constituído. O graffiti encontra-se entre duas percepções: uma da sociedade instituída, que o rotula no seu sentido mais amplo enquanto ato de vandalismo; e a dos próprios grafiteiros que o consideram como uma forma de arte alternativa, como contracultura, onde se manifesta o desejo da criatividade, estimulado por vezes pela crítica a realidade social ou pelo simples desejo de embelezar os espaços urbanos. Porém, o graffiti não se fecha em si, porque a sua prática exige uma experiência estética com outros tipos de arte, de linguagem, de escrita e de conhecimento das técnicas e estilos que estão imbuídos dentro desta arte. É justamente nesse ponto que acreditamos que esteja a potência educadora do graffiti. O professor, que possui também o papel social de ampliar o universo cultural dos discentes, deve utilizar estratégias para que o processo de ensino aprendizagem conduza a algum tipo de transformação no aluno. Essas estratégias devem ser provocadas ao nível dos esquemas mentais dos alunos, da sua criatividade e expressividade contribuindo para um crescimento mais consciente e responsável por parte do aluno seja dentro ou fora do ambiente escolar.
Alguns autores consideram a escola o lócus privilegiado de apropriação e criação de cultura (entendida aqui como objetivação humana) e tendo em vista tanto a inserção de alunos quanto de professores em ambientes culturais intra e extra-escolar. Nesse sentido a experiência e a formação estético-cultural desses sujeitos se tornam elementos importantes a serem absorvidos enquanto parte do processo educativo.
Essa formação, que chamaremos aqui de estético-cultural, pode e deve ser articulada ao mundo da cultura enquanto leitura do real. Na atividade docente, que tem entre seus objetivos a formação de seres humanos, esse tipo de experiência estético-cultural dele (professor) e do aluno proporciona muito mais do que apenas o ensino/aprendizagem do conhecimento científico, mas também de conhecimentos diversos produzidos sócio-historicamente. As artes, cada qual com sua linguagem específica, são manifestações da ação historicamente determinada pela humanidade e possuem um potencial transformador. Sendo assim, o graffiti enquanto manifestação cultural oriunda das ruas permite essas transformações nos indivíduos já que possibilita a instituição de novas relações sócio-espaciais por exemplo. 


Um comentário:

  1. Muito massaa essa troca de ideias!! E os graffitis estão lindos! Dá-lhe intevenção espacial rsrs!

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