quinta-feira, 17 de maio de 2012

Remoção: um problema nacional, o caso da Vila do Chocolatão (Porto Alegre)

Segue abaixo um relato sobre o processo de remoção da Vila do Chocolatão, em Porto Alegre, que está completando um ano. Uma importante reflexão para repensamos e continuarmos a lutar por outra cidade. Vale salientar a participação da AGB-Porto Alegre no debate e na visibilidade dessa questão. 

Um ano de remoção da Vila do Chocolatão: o que há para comemorar?


No dia 12 de maio completamos um ano da remoção da Vila do Chocolatão. As pessoas que moravam nessa comunidade – antigamente situada na região central de Porto Alegre, ao lado do Parque Harmonia – foram removidas, sendo parte delas realocada para um assentamento popular na Av. Protásio Alves, 9099. Um ano depois da remoção: o que há para comemorar?

Como era a Vila do Chocolatão?

A Vila do Chocolatão era uma pequena comunidade com cerca de 225 famílias que situava-se ao lado do Parque Harmonia e nos fundos dos prédios da Justiça Federal. Tinha como fonte principal de renda a catação, triagem e reciclagem do lixo produzido nos prédios da Justiça Federal e na região central de Porto Alegre. Projetos de saneamento, eletricidade ou água encanada não existiam, mas os moradores tinham acesso a escolas e postos de saúde.

O terreno, diziam, era da União e no dia 14 de janeiro de 2000 essa distribuiu Ação Reivindicatória[1], pedindo tanto a retirada imediata das pessoas daquela comunidade, quanto a indenização pela “ocupação ilícita”. A decisão, proferida por juízo federal, ordenou a retirada da comunidade e deu início a um processo público que durou mais de dez anos e culminou com a retirada das pessoas daquele terreno em 12 de maio de 2011.

Para onde foram com a Vila do Chocolatão?

Durante a construção do projeto, houve a criação de uma Rede de Cooperação para auxiliar no processo de remoção, tendo como participantes membros do Departamento Municipal de Habitação, da Secretária de Governança Local, de diferentes ONG’s, do Ministério Público Federal, o Tribunal Regional Federal da 4a Região e de alguns/mas moradores da comunidade. Contudo, a participação popular nessas reuniões ficou restrita aos olhares de membros da prefeitura, que muito mais intervinham e impunham sua opinião do que efetivamente ouviam e acolhiam as sugestões da comunidade. Ou seja, a esses/as moradores/as não lhes foi perguntado se efetivamente queriam sair de onde estavam, e, nem ao menos o que desejavam da nova moradia que lhes esperava.

Com a remoção da comunidade, muitas pessoas que moravam no centro não puderam mudar-se para a Nova Chocolatão. Isso porque o projeto realizado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre -e de acordo com o Termo de Compromisso firmado por essa perante o MPF- não contemplava as famílias que vivessem na Vila há menos de um ano e um dia. Assim, muitos/as moradores/as tiveram que abandonar suas casas, seus parentes, seus amigos/as e sua comunidade, tendo de submeter-se ao auxílio do aluguel social, que, no entanto, durou apenas seis meses. Hoje, ao caminharmos pelas ruas de Porto Alegre encontramos, facilmente, antigos/as moradores/as vivendo na rua. 

Habitação não é só casa, não!

Conforme o ensinamento da arquiteta Raquel Rolnik[2], um projeto de habitação não pode ser confundido com a entrega de casas. Habitação significa além de uma casa digna, acesso a serviços públicos que efetivem os direitos fundamentais. Deve também permitir que as pessoas sejam protagonistas no seu futuro, não sendo jogadas de um lado a outro da cidade, conforme o interesse do poder público.

Não é isso que vemos no processo de remoção da Vila do Chocolatão. A região do bairro Mário Quintana para onde foi realocada parte da comunidade, conforme laudo técnico elaborado pela seccional porto-alegrense da Associação de Geógrafos do Brasil[3] ao lado do GAJUP/SAJU-UFRGS, não contém equipamentos públicos de saúde, educação e assistência social em quantidade suficiente para atender as demandas da comunidade.

Em vista do despreparo da prefeitura para essa remoção, o Laudo também evidencia: desemprego. O trabalho dos recicladores da antiga Vila Chocolatão que era realizado no centro da cidade, não pode mais ser feito no local, pois naquela área a quantidade de lixo é menor, Hoje, a Comunidade possui um galpão de reciclagem, onde trabalham de 30 ou 40 pessoas associadas, cujo trabalho é igualmente árduo e a cada quinzena tem um pequena renda a ser dividida entre muitos trabalhadores.


Mas o que há para comemorar nesse aniversário de um ano? 

A remoção da Chocolatão obteve vários avanços em relação a outras, a destinação de casas para uma parte dos moradores da comunidade, a construção de um galpão de reciclagem e de uma creche no novo assentamento são conquistas da comunidade.

Mas não podemos fechar os olhos e acreditar que esse projeto é um modelo a ser seguido. É inadmissível que o projeto tenha sido elaborado sem a participação popular, que parte da comunidade tenha sido simplesmente colocada na rua, que não tenha sido garantido o acesso aos equipamentos públicos necessários para a garantia dos direitos fundamentais Por tudo isso, continuamos lutando!

[1] Ação de imissão na posse Nº 2000.71.00.000973-1, Justiça Federal (RS).
[2]  ROLNIK, Raquel. “Moradia e direito à dignidade”. Disponível em: www.metodista.br/cidadania/numero-35/moradia-direito-a-dignidade (visitado dia 11 de maio de 2012)
[3] Associação de Geógrafos do Brasil (AGB). Disponível em: viladochocolatao.blogspot.com (visitado dia 11 de maio de 2012)

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