quinta-feira, 29 de março de 2012

Mobilidade urbana: uma questão de engenharia ou uma questão política?


Os famigerados congestionamentos são um dos principais problemas das grandes cidades brasileiras, dentre tantos que temos. É comum os telejornais da manhã iniciarem, e às vezes terminarem, a partir de um panorama do trânsito por diferentes pontos da cidade. É como se a mídia tivesse o dever de informar ao cidadão “motorizado” os pontos “estrangulados” e onde os carros fluem com tranquilidade. 

Quando se questionam os motivos dos congestionamentos, a resposta é simples (simplista): ausência de planejamento por parte do poder público. A prefeitura, governo estadual ou federal não investiram em infraestrutura suficiente para a demanda crescente de automóveis. Nesse raciocínio, o que fazer? Ora, investir em infraestrutura e recompensar o tempo perdido a partir de ampliação de vias, construção de pontes, viadutos etc. 

É a solução que perpassa pelo imaginário popular e difundido/ reforçado pela grande mídia. Nessa perspectiva, a locomoção pela cidade por meio de automóveis individuais aparece como algo natural. Como é natural a ideia de felicidade estar relacionada necessariamente a aquisição de um novo modelo de carro. Se a cidade não fosse uma construção coletiva e aquisição de um automóvel fosse uma mera questão subjetiva, encerraria a discussão por aqui! Porém, não é bem assim...

Quando se parte da ideia de que a mobilidade urbana é uma questão de engenharia, opta-se (politicamente) pela continuidade da cidade dos carros. A indústria automobilística e as grandes empreiteiras agradecem. A engenharia urbana, portanto, ao mesmo tempo em que garante a viabilidade da indústria de carros individuais, ampliando vias, ela em si é um grande negócio (e sempre são as mesmas empresas que prestam serviço para as prefeituras, será por quê?). 

Nesse contexto, locomover-se pela cidade como pedestre, ciclista ou usuário de transporte público é um grande sacrifício. E o mais perverso é que a maioria da população capixaba, brasileira, utiliza de tais meios para ir ao trabalho, à escola, à casa de parentes ou amigos etc. Por isso, a questão da mobilidade urbana é, antes de tudo, política. As soluções propostas pelo poder público, de um modo geral, embora venham carregadas de um discurso do “bem comum”, elas beneficiam uma parcela da população e determinados setores privados, como os supracitados. 

Thalismar M. Gonçalves 
Prof. de Geografia da Rede Estadual de Ensino 
AGB-Vitória 



4 comentários:

  1. Concordo com a visão apresentada por você Thalismar, relacionando deslocamentos e (interesses da) produção do espaço, a qual considero importante tendo em vista o possível-imediato da luta contra o capital, isto é, a luta pela supremacia (de fato) do transporte individual não motorizado e o de massa sobre o individual motorizado. Todavia, creio que é preciso questionar também a motivação dos nossos deslocamentos (que se multiplicam em distâncias e quantidade), no sentido de se atingir mais profundamente a crítica quanto ao atual modo de produção (que é, em suma, modo de vida).

    "o espaço público, espaço da negociação da vida em sociedade, torna-se, mais e mais, mero espaço de ligação entre as esferas separadas onde se realiza a vida de modo privado - e controlado. Tornado mero meio, a negociação nesse espaço vira luta entre todos para se atingir fins extrínsecos a ele, daí a pertinência do debate em torno dos transportes urbanos: o que está no horizonte de discussão é definir o melhor meio para se cumprir as “obrigações” cotidianas. Como o acesso aos meios de transporte dá-se em função do poder aquisitivo, não fica difícil entender porque o automóvel tem primazia na circulação viária urbana, apesar de ser menos eficiente no transporte de pessoas como um todo". Trecho de monografia.

    Até,
    Bruno (AGB-BH)

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    1. sso aí Bruno, também devemos questionar essa necessidade de fluxos intensos nas cidades, e não apenas as formas como nos deslocamos no espaço urbano. A quem interessa esses deslocamentos? Está ligado a apropriação da cidade no sentido do cidadão, ou como necessidade de reprodução do capital em suas várias formas.

      Thalismar

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  2. Acho essa uma visão bastante distorcida de o que é engenharia. A técnica viabiliza a decisão político-econômica, seja ela a favor do carro particular ou do transporte público.

    À pergunta do título, respondo: ambos. É importante não estigmatizar os campos do conhecimento.

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    1. Realmente Rafael, a forma que coloquei acabei reduzindo a engenharia. Penso a engenharia como ciência aplicada, é e como você disse, é possível utilizarmos da engenharia para a produção de uma cidade mais justa, um transporte público mais eficiente, sistema de ciclovias etc.
      Na verdade, eu deveria especificar essa forma de utilização da engenharia, orientada para grandes obras na cidade, em meu texto.
      De qualquer forma, valeu por opinado e permitido esse diálogo. E isso é muito importante.
      Thalismar

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